sexta-feira, 22 de junho de 2012

A arte da Maledicência




A maledicência é a arte de amordaçar a dignidade, ela faz emudecer os escrúpulos nos espíritos incapazes de resistir à tentação do mal. É o hálito que fecunda os temperamentos vulgares, permitindo-lhes prosperar na mentira: como essas árvores cuja ramagem é mais frondosa, quando crescem nas imediações dos lodaçais.


O maledicente é constrangido a guardar as aparências, com afã igual ao do virtuoso que cuida dos seus ideais.

Os homens rebaixados pela maledicência vivem sem paz, ocultando suas intenções, disfarçando seus sentimentos, dando saltos como uma fera; têm a íntima certeza, embora inconfessada, de que seus atos são indignos, vergonhosos, nocivos e irremissíveis. Por isso, sua moral é dissolvente: envolve sempre uma simulação.


Os maledicentes conspiram, e agridem na sombra. Com peçonha difamam com aveludada suavidade. Nunca ostentam um galardão inconfundível: cerram todas as cavidades do seu espírito, pelas quais poderia escapar-se, ou revelar-se, a sua personalidade nua, sem a roupagem social da mentira.
É seu anelo simular as aptidões e qualidades que consideram vantajosas, para acentuar a sombra que projetam no seu cenário.


Os maledicentes ignoram o veredicto do próprio tribunal interior; aspiram o salvo-conduto outorgado pelos cúmplices dos seus prejuízos convencionais.

O maledicente costuma tirar vantagens da sua virtude, fingida, em maior proporção, do que o verdadeiro virtuoso. Gosta de frequentar homens respeitados para legitimar sua pífia verdade. Para descobri-lo, basta penetrar na intimidade dos seus sentimentos, por um minuto apenas, para advertir a sua mesquinhez, e transformar, em desprezo por ele, à estima.


O psicólogo reconhece o maledicente e hipócrita: traços há que diferenciam o virtuoso do simulador; pois, enquanto este é um cúmplice das opiniões que fermentam em seu meio, aquele possui algum talento que lhe permite so-brepôr-se a elas.

A maledicência tem matizes. Seu vício é um simples reflexo de mentiras que infestam a moral coletiva. Sua culpa começa, quando intenta agitar-se dentro de sua grosseira condição, pretendendo igualar-se aos virtuosos.


O maledicente, pela raiva que traz, torna-se capaz de todos os rancores. Supõe simplòriamente honesto, como êle, todo santo ou virtuoso; não se cansa de diminuir os méritos destes. Procura igualar o baixo nível, não o podendo fazer em linha alta. Persegue os caracteres superiores, pretende confundir suas excelências com as próprias mediocridades, desafoga surdamente uma inveja que não confessa, na penumbra, enlameando-se, babando sem morder.

Sua perversidade é inquietada por escrúpulos que o obrigam a envergonhar-se em segredo; ser descoberto, para êle, é o mais cruel dos suplícios. É o castigo.

O maledicente é constrangido a guardar as aparências, com afã igual ao do virtuoso que cuida dos seus ideais. O hábito da mentira paralisa os lábios dele quando chega a hora de pronunciar a verdade.

Aquele que se acostuma a proferir palavras falsas, acaba por faltar a si mesmo sem repugnância, perdendo toda a noção de lealdade para com o próprio espírito. Os hipócritas ignoram que a verdade é a condição fundamental da virtude.

Aquele que mente é traidor: as suas vítimas o ouvem supondo que diz a verdade. O mentiroso conspira contra a quietude alheia, falta ao respeito de todos, semeia a inseguridade e a desconfiança. Com olhar da crítica persegue os sinceros, julgando-os seus inimigos naturais. Aborrece a sinceridade. Diz, que ela é fonte de escândalo e de anarquia, como se fosse possível culpar a escova pela existência da imundice.
2ª parte do Fichamento de leitura da Obra:
"O homem medíocre", de José Ingenieros.

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